11 agosto 2017

[Favoritos] Furto de flor, Carlos Drummond de Andrade

| | 0 comentários


Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edifício cochilava, e eu furtei a flor.

Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é para ser bebida.

Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.

Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la no jardim. Nem apelar para o médico de flores. Eu a furtara, eu a via morrer.

Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me.

– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!


Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Rio de Janeiro, José Olympio, 1985. p. 80.

30 maio 2017

[Favoritos] Feliz por nada, Martha Medeiros

| | 0 comentários
Geralmente, quando uma pessoa exclama Estou tão feliz!, é porque engatou um novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Digamos: feliz porque maio recém começou e temos longos oito meses para fazer de 2010 um ano memorável. Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque alguém o elogiou.
Feliz porque existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama.
Esquece. Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.
Feliz por nada, nada mesmo?
Talvez passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade inferniza.
“Faça isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo caminho?
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não estando “realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma.
Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre.
Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto?
A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.
Ser feliz por nada talvez seja isso.
Martha Medeiros

10 maio 2017

[Favoritos] Felicidade Clandestina, Clarice Lispector

| | 0 comentários
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser. ”Entendem? Valia mais do que me dar o livro: pelo tempo que eu quisesse ” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
Clarice Lispector
Resultado de imagem para ~clarice lispector

*Favoritos: Olá, pessoal! Devido a minha falta de tempo para ler, escrever e postar no blog, resolvi trazer para vocês toda semana um texto que seja importante para mim. Existem muitos contos, crônicas e poesias aguardando para serem lidos, e espero que assim como eles me ajudam, de certa forma, também ajudem todos vocês. A leitura é como esse conto da Clarice Lispector, uma felicidade clandestina. Aproveitem!

12 fevereiro 2017

10 trechos literários favoritos!

| | 1 comentários
Olá, pessoal! Sempre gosto de colocar os trechos de livros que mais gostei quando estou fazendo uma resenha. Portanto, hoje decidi fazer algo diferente: uma postagem dedicada apenas para os trechos literários. Eles são sempre bons para nós que gostamos de ler, não é? Eu sempre levo os meus favoritos pra vida! haha. Espero que gostem dos que selecionei para hoje! Venham comigo. 💖
"Alguns episódios tristes são necessários para darmos valor aos felizes. Afinal, são todos eles somados que nos fazem crescer e que fazem a série da nossa vida valer a pena".
- Minha vida fora de série, Paula Pimenta.

"Toda pessoa deveria ser aplaudida de pé pelo menos uma vez na vida, porque todos nós vencemos o mundo".
- Extraordinário, R.J. Palácio.

"Disse a flor para o pequeno príncipe: é preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas".
- O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry.

"Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos".
- O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry.

"Você é a coisa mais importante para mim agora. A coisa mais importante para mim pra sempre".
- Crepúsculo, Stephenie Meyer.
"Somos dois abismos: um poço fitando o céu".
- Livro do desassossego, Fernando Pessoa.

"Eu sei que tem pessoas que dizem que essas coisas não acontecem, e que isso serão apenas histórias um dia. Mas agora nós estamos vivos. E nesse momento, eu juro. Nós somos infinitos".
- As vantagens de ser invisível, Stephen Chbosky.

"Se uma pessoa passar toda a existência sem fazer algo realmente excepcional por um amigo, a vida não terá valido a pena".
- Surpreendente, Maurício Gomyde.

"Você disse que, para acertar as coisas, um de nós teria que dar um salto de fé. Acho que encontrei o abismo que devo saltar, e espero encontrar você à minha espera do outro lado".
- A Escolha, Kiera Kass.

"Meus pensamentos são estrelas que não consigo arrumar em constelações".
- A culpa é das estrelas, John Green.
Então, leitores, é isso! Espero que tenham gostado dos trechos que selecionei. Comentem o favorito de vocês aqui em baixo que irei amar ler! Beijos! Até mais.

Espero que tenham gostado!
Visitem as redes sociais do blog:

10 fevereiro 2017

[Resenha] Princesa das Águas, Paula Pimenta

| | 0 comentários
Sinopse: "Ele estava tão perto que pude perceber a tonalidade verdadeira dos seus olhos. Antes eu pensava ser da cor de uma piscina. Mas agora eu via que não era bem isso. Eles eram como o mar quando fica mais fundo... Aquele tom exato em que o verde se torna azul". Arielle Botrel é uma nadadora famosa prestes a viver o maior desafio de sua vida: participar das olimpíadas pela primeira vez. Porém, ao contrário do que todos pensam, ela não possui tudo que deseja. Por ser filha caçula de uma grande família, a garota é muito protegida e, apesar das medalhas e dos troféus, sonha com uma vida diferente, na qual possa ser livre. Até que um dia um acidente faz tudo mudar. Arielle é apresentada a um mundo diferente e nele existe alguém que vira sua vida de cabeça pra baixo... Porém, para conquistá-lo, ela terá que abrir mão de sua voz. Será que Arielle - sem uma única palavra - vai conseguir conquistar esse príncipe? E se no coração dele já existir outra princesa?
Autora: Paula Pimenta é de Belo Horizonte, Minas Gerais, mas adoraria morar em um reino encantado e viver uma história de princesa! Começou sua carreira de escritora em 2001, com o livro de poemas Confissão. É autora das séries Fazendo Meu filme e Minha vida fora de série, dos livros de crônicas Apaixonada por histórias e apaixonada por palavras. Seus livros já foram publicados em Portugal, Espanha, Itália e toda América Latina.

Olá, pessoal! Venho hoje apresentar-lhes "Princesa das Águas", o terceiro livro das releituras dos contos de fadas criado pela Paula Pimenta. "Princesa adormecida" e "Cinderela Pop" também foram resenhados aqui no blog! Tenho que admitir que esse terceiro foi o meu favorito em relação aos anteriores. Venham comigo! 💖

"Era uma vez uma princesa. Ela vivia em um reino onde tinha tudo que queria. Quer dizer, o que achavam que ela queria. Porque na verdade o que essa princesa almejava não estava ali. Ela sonhava com outras paisagens, outras cores, outros reinos. Queria voar, viajar, se apaixonar..."


Arielle é uma garota de 16 anos, a mais nova a participar das Olimpíadas, e a caçula de seis irmãs. Por esse motivo, a menina é superprotegida pelos pais, irmãs e treinador. Sua vida é resumidamente: casa, escola, treino.  A mãe de Arielle morreu quando ainda era uma criança, ela era dona de uma voz maravilhosa e suas irmãs herdadaram o dom: juntas, as cinco fazem parte de uma banda. Para alívio do seu pai, ela resolveu nadar, assim como ele na adolescência.
O dia das Olimpíadas está se aproximando, e as viagens que Arielle realiza para outros países também passam a aumentar. Em uma ida à Zurique, na Suíça, a garota recebe um convite para ir em uma festa onde só terão os melhores atletas. É então que ela despista seu treinador e pega um táxi em direção a famigerada festa. Ao conhecer o lugar, um garoto a chama mais atenção que qualquer outra pessoa dali. E para a nossa surpresa, ela é a única a ver o acidente que aconteceu: em uma fração de segundos, o garoto bate a cabeça na borda da piscina e afunda. Sem pensar duas vezes, a nadadora pula na piscina para ajudá-lo e consegue o tirar de lá. Para mantê-lo acordado, ela canta para ele. No dia seguinte, depois de ter ido para o hospital, e Arielle de volta para o hotel, o atleta só consegue lembrar de uma garota muito bonita que salvou sua vida e cantou para ele. Posta as mensagens que quer encontrá-la, mas Arielle não pode, de forma alguma, se meter no meio de mais problemas nas vésperas das olimpíadas. 

"Se eu pudesse escapar e criar um lugar como se fosse meu próprio mundo, eu poderia ser sua garota favorita, para sempre. Ficaríamos perfeitamente juntos. Diga-me garoto, isso não seria adorável?" - Letra de The Sweet Escape.


Quando é dada a largada para os jogos começarem, também fazem uma série de programas que incluem os atletas. Um deles é para quem deseja encontrar um novo amor. A ruivinha decide se inscrever no de culinária, mas sua amiga insiste para trocarem de lugar. Ela aceita, ficando no programa de paqueras, enquanto sua amiga mostra seus dotes culinários. O que Ari não esperava era que um dos garotos que estavam no Linguagem do amor era quem ela havia salvo na festa, o Erico. É quando começa uma série de encontro entre os dois, onde a regra é: a menina não pode falar nada durante os encontros, apenas gestos. Nessa jornada para conquistar o coração do garoto, ela percebe que sua amiga pode não ser quem ela imaginava e alguns segredos de sua família são revelados durante as olimpíadas, o que pode a atrapalhar em desenvolvimento nas provas, mesmo sendo uma das melhores nadadoras já conhecidas! Talvez seu conto de fadas não seja tão perfeito como ela desejou, mas descobre que é tudo que precisava para ser feliz.

É tão lindo te ver nadar... Nunca vi ninguém com tanto foco e precisão. Parece um peixe mesmo. Não, na verdade, parece uma sereia..." Erico, Princesa das Águas.


Livro: Princesa das águas
Autora: Paula Pimenta
Editora: Galera Record
Gênero: Romance/Ficção Juvenil
Ano de publicação: 2016
Número de páginas: 367
Nota:


Espero que tenham gostado!
Visitem as redes sociais do blog: