Furtei uma flor daquele
jardim. O porteiro do edifício cochilava, e eu furtei a flor.
Trouxe-a para casa e
coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo
destina-se a beber, e flor não é para ser bebida.
Passei-a para o vaso, e
notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas
novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.
Sendo autor do furto, eu
assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia.
Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la no jardim. Nem apelar para o
médico de flores. Eu a furtara, eu a via morrer.
Já murcha, e com a cor
particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde
desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me.
– Que ideia a sua, vir
jogar lixo de sua casa neste jardim!
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Rio de Janeiro,
José Olympio, 1985. p. 80.